Este bolo de tangerina fez bastante sucesso no meu Instagram. No entanto, gostava de partilhar convosco algo que me aconteceu enquanto preparava esta receita e que acho importante.
Os inícios de ano já me costumam ser complicados. A habitual contagem decrescente, o cerimonial das doze passas, o virar a página do calendário… um cocktail perfeito que me atira para um certo estado de ansiedade. Tenho que confessar que, nessa altura (e ainda mais no meu aniversário), sou como que invadido por uma agonia e por uma percepção de finitude. Dia atrás de dia, semana atrás de semana, o tempo vai passando sem darmos conta.
É nessa altura que a ficha cai. Feitas as contas, todas as resoluções que fizemos continuam por concretizar. “Ter um estilo de vida mais saudável”, “estar mais vezes com os amigos”, “ir viver para o Pico durante uma temporada”, “ligar mais vezes à família mesmo sem motivo aparente”… Empurramos com a barriga para o ano seguinte, como que numa fuga para a frente. “Este ano é que é!”, repetimos uma vez mais.
Este início de ano foi ainda mais difícil, com um turbilhão inesperado de acontecimentos a abater-se sobre a minha cabeça, o que explica a minha ausência por aqui. De facto, desde finais de dezembro que tudo ficou um pouco suspenso.
Quantas vezes nos questionámos se vale a pena continuar. Em que duvidámos se temos dentro de nós a energia necessária para avançar. Duvidamos se somos capazes de, como diz a letra de uma música da Capicua que eu adoro, “pegar nesses caquinhos e fazer um Gaudi”.
Durante esta semana, ofereceram-me uma caixa enorme de tangerinas. Estamos no tempo delas, é verdade. Mas no fundo senti que, de forma subtil, me queriam obrigar a pegar na câmara, preparar um cenário bonito e voltar ao blog.
Decidido a fazer um bolo, porque “o que é doce nunca amargou”, lá acordei naquele dia e fui para a cozinha. Reuni os ingredientes e, num esforço extra de concentração, lá comecei. Não sou muito dado à doçaria e a prova é que tudo o que havia para correr mal correu. Só para terem uma pequena ideia, só quando a massa estava já na forma pronta para ir ao forno é que me apercebi que me tinha esquecido do fermento. Vá lá que ainda fui a tempo de corrigir.
Sem dar conta, e como que numa auto-sabotagem, eu já tinha desistido. Os planos que tinha imaginado para fotografar já tinham ido por água abaixo. Sinceramente, só não mandei tudo para o lixo por pensar no custo dos ingredientes já usados. Já no forno apercebi-me que, afinal, tudo tinha dado certo. O bolo cresceu como era suposto, ficou bonito como era suposto, e o sabor estava incrível como era suposto.
Porque vos estou a contar tudo isto? Porque com este episódio aprendi que, de facto, muitas vezes as coisas não acontecem como nós queremos porque somos nós próprios a desistir. Já pensaram nisso? Quantas vezes temos um objetivo em mente e, inconscientemente, nos damos apenas por metade, como que numa tentativa de garantir que ele não se concretiza. O síndrome do impostor ou do não merecimento pode manifestar-se de várias formas, mas a insegurança porque não nos achamos capazes de aceitar o sucesso que virá está sempre presente. Não quero embarcar num monólogo a rivalizar com o Fred Canto e Castro nem com o Gustavo Santos. Só queria deixar esta mensagem para que vos sirva de mantra neste novo ano: não sejam os primeiros a desistir de vocês próprios.
E agora vamos à receita propriamente dita: Este bolo de tangerina é daqueles bolos simples que combinação na perfeição com domingo à tarde. Húmido q.b., com uma massa super fofinha e capaz de fazer uma figuraça à mesa. É daqueles em que ficamos quase eternamente com o cheiro a citrinos nas mãos. Não tem muitos passos, faz-se em menos de nada, e é perfeito até para um programa com crianças.
Uma fatia de bolo, um cházinho e uma manta no sofá. Afinal o Inverno tem mesmo o seu encanto.